Deixo aqui um pouco de mim. Deixe-me um pouco de você!




 


"...Existe um ser que mora dentro de mim como se fosse a casa dele, e é. Trata-se de um cavalo preto e lustroso que apesar de inteiramente selvagem - pois nunca morou antes em ninguém nem jamais lhe puseram  rédeas nem sela - apesar de inteiramente selvagem tem por isso mesmo uma doçura primeira de quem não tem medo:
come às vezes na minha mão.
Seu focinho é úmido e fresco.
Eu beijo o seu focinho.
Quando eu morrer, o cavalo preto ficará sem casa e vai sofrer muito. A menos que ele escolha outra casa e que esta outra casa não tenha medo daquilo que é ao mesmo tempo selvagem e suave.
Aviso que ele não tem nome: basta chamá-lo e se acerta com seu nome. Ou não se acerta, mas, uma vez chamado com doçura e autoridade, ele vai. Se ele fareja e sente um corpo-casa é livre, ele trota sem ruídos e vai.
Aviso também que não se deve temer seu relinchar: a gente se engana e pensa que é a gente mesma que está relinchando de prazer ou de cólera, a gente se assusta com o excesso de doçura do que é isto pela primeira vez. "

(Clarice Lispector )

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